NÓMADAS - REVISTA CRÍTICA DE CIENCIAS SOCIALES Y JURÍDICAS
12-2005/2 | Universidad Complutense de Madrid | ISSN 1578-6730
Ribeiro Junior, Joao: O que é positivismo
Wellington Soares da Costa
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RIBEIRO JUNIOR, João. O que é positivismo. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 77 p. (Coleção Primeiros Passos)

Augusto Comte (1789-1857), considerado o Pai do Positivismo, auto-intitulando-se um messias com o papel de regenerar o Grande Ser – a humanidade, “formada só de homens” (p. 31) –, lança a nova religião dos homens, em especial no livro “Sistema de política positiva ou tratado de sociologia instituindo a religião da humanidade”. Sua doutrina objetiva, fundamentalmente, redimensionar os estudos humanísticos e científicos, propondo uma epistemologia diversa da que até então vigia: afirma que a ciência deve voltar-se única e exclusivamente para o cognoscível (tudo o que pode ser captado e compreendido pelos cinco sentidos através da experimentação). A cognoscibilidade exclui a essência (o absoluto) dos objetos de investigação do cientista para ater-se às relações (ao relativo) existentes entre os fenômenos estudados. Daí dizer-se que “O positivismo é, portanto, uma filosofia determinista que professa, de um lado, o experimentalismo sistemático e, de outro, considera anticientífico todo o estudo das causas finais” (p. 15).

Assim, o cientificismo faz-se presente com a pretensão de reduzir a realidade à matéria, haja vista serem “as especulações teológicas e metafísicas incapazes de melhorar a existência humana, pois as regras da felicidade humana são feitas pelo e para o homem” (p. 37-38). Tal cientificismo traz consigo “o materialismo, segundo o qual a matéria e suas leis são tudo o que existe ou a explicação de tudo” (p. 12). Essa característica dogmática do positivismo alia-se à metodologia da experimentação (método a posteriori), que  alardeia a neutralidade do cientista nos estudos a que este se propõe (hoje desmentida de maneira insopitável), inclusive quando se trata dos conhecimentos sociais, porque “somos simples espectadores dos fenômenos exteriores, independentes de nós” (p. 14). João Ribeiro Jr. resume muito bem essa caracterização do positivismo, ao dizer que a ciência positivista “é um dogmatismo físico e um ceticismo metafísico” (p. 16). 

A confiança de Comte em sua ciência é tamanha que ele traduz a expressão positivismo como “o real frente ao quimérico, o útil frente ao inútil, o certo frente ao incerto, o preciso frente ao vago, o relativo frente ao absoluto” (p. 17), “Reduz [...] toda causalidade a meras relações de simultaniedade [sic] e sucessão” (p. 22) e, ao inserir a psicologia na biologia, “reputa a alma (espírito) como um conjunto de funções cerebrais” (p. 22). 

Em sendo a ordem e o progresso (lema positivista da Bandeira Nacional Brasileira) o nascedouro de todos e quaisquer sistemas políticos, consoante Augusto Comte, divide-se o estudo sobre a estrutura social em: a) estática social – o estudo da estrutura social tal como esta se apresenta em seus relacionamentos internos (ordem), sob suas condições de existência; b) dinâmica social – o estudo da estrutura social em seu processo evolutivo (progresso). 

Segundo o positivismo, o governo se fundamenta na força, deixando de fazer sentido a soberania popular (expressão sem significado), circunscrevendo-se o direito ao cumprimento do dever. Comte, “partindo da noção de solidariedade que, em sua opinião, impera na sociedade, apresenta uma política de paz e amor, substituindo a idéia sobrenatural do Direito pela idéia natural do Dever” (p. 24) – isso colide com o Evolucionismo Social de Spencer, à frente comentado. A espiritualidade humana é vivenciada no cumprimento do dever, aí consubstanciando-se a moral apregoada pela religião da humanidade: o altruísmo. 

Com o slogan “ ‘O Amor por princípios, e a Ordem por base; o Progresso por fim’ ” (p. 28), institui-se a religião científica da humanidade, uma religião que afirma a condenação da mulher “à inferioridade pelas leis irrevogáveis da natureza” (p. 31), apesar de considerar a mulher como a Providência Moral a sustentar as outras Providências Sociais, quais sejam:

a)      Providência Intelectual – o sacerdócio, cujos representantes (os sacerdotes) “não são teólogos, mas sociólogos” (p. 32), que “não devem possuir qualquer parcela de poder temporal, pois foi a mescla do espiritual com o temporal – segundo Comte – o grande erro da Antigüidade” (p. 33). “São os intérpretes das doutrinas sócio-religiosas do positivismo” (p. 32) e que “podem sugerir ações ao braço secular da lei, mas não empreendê-las sob a sua própria responsabilidade e iniciativa” (p. 33);

b)      Providência Material – o patriciado, “a classe detentora do poder temporal. É a classe que possui capacidade industrial” (p. 33) e é formada por “empresários, que têm na sociedade positivista o mesmo papel que os papas reservavam à nobreza feudal” (p. 34);

c)      Providência Geral – os proletariados, a classe social mais inferior, haja vista a sua “ ‘incompetência para decidirem as questões sociais’ ” (p. 34).

Uma das passagens mais interessantes da doutrina comtista é a que pertine ao casamento, considerado “obrigatório, pois o positivismo condena o celibato, ao mesmo tempo que declara a indissolubilidade do casamento, mesmo que morra um dos cônjuges” (p. 35-36). 

O positivismo progride com as teorizações do inglês Herbert Spencer (1820-1903) na corrente chamada Evolucionismo Social. A utilização do termo evolucionismo deve-se à forte influência dos avanços da Biologia nas concepções político-sociais, levando os autores a procederem à comparação entre sociedade e vida orgânica, nos aspectos estruturais e funcionais. Por isso, Spencer alinha que a sociedade perpassa por três estágios evolutivos (o inorgânico, o orgânico e o superorgânico), passando gradativamente dos patamares mais homogêneos, sem definição e incoerentes para os mais heterogêneos, definidos e coerentes, numa complexidade sempre maior, sob a injunção das seguintes leis: 1) instabilidade do homogêneo; 2) multiplicação dos efeitos; 3) segregação pelo movimento; 4) persistência das relações ente as forças; 5) transformação e equivalência das forças; 6) movimento pelo caminho da menor resistência ou de maior atração; 7) ritmo alternante do movimento. 

Também o Estado evolui, indo da fase militar, caracterizada pela “obediência cega do indivíduo para o bem da coletividade” (p. 48), à fase industrial, civil e liberal, em que as sociedades “se colocam a serviço do indivíduo e de sua liberdade” (p. 48). Essa apologia ao Estado civil se explica pelo fato de Spencer ter sido muito influenciado pelo individualismo liberal contemporâneo à sua época, levando o autor do Evolucionismo Social a propugnar pelo liberalismo nas arenas social, política e econômica como exigência do progresso, limitando o Estado ao desempenho de atividades estritamente indispensáveis, como a defesa de sua soberania. É a doutrina do laissez-faire. 

De forma contrária ao Pai do Positivismo, “Spencer entende que o direito nasce e se desenvolve a partir das propriedades intrínsecas do indivíduo, restabelecendo, assim, a doutrina do direito natural” (p. 52). “ ‘Cada um pode fazer o que quiser, contanto que não lese a liberdade dos outros’ ” (p. 53) – eis a fórmula da justiça spenceriana. 

A presença do positivismo se faz notar também “nas Américas [...] trazendo em seu bojo um acentuado caráter político” (p. 55), facilmente observado em terras brasileiras, onde a ciência positivista, “galvanizando as aspirações revolucionárias da classe média urbana, assenta suas bases nas cidades e sobretudo nas Academias de Direito, na pretensão de se criar e definir uma nova consciência da realidade nacional, frente à ordem político-social dominante” (p. 55-56). 

A primeira obra positivista que se publica no Brasil é “Plano e Método de um Curso de Filosofia”, de Justiniano da Silva Gomes, em 1844. Entretanto, as obras positivistas de cunho essencialmente social, de autoria de brasileiros, têm início com “A Escravatura no Brasil, precedida de um artigo sobre a agricultura e colonização no Maranhão”, de Francisco Antônio Brandão Júnior, em 1865. Salienta-se que os brasileiros “positivistas ortodoxos entendiam, com Augusto Comte, que deveriam ‘libertar o Ocidente de uma democracia anárquica e de uma aristocracia retrógrada em favor de uma sociocracia’ ” (p. 70)


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